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Presságio

Houve um tempo em que havia mais do que tempo. Não sei nomear o que nos escorregou das mãos. Por entre os dedos do amor, a areia humedecida da ampulheta secou. Se fosse de outra forma, não seria o tempo. A manhã às vezes traz-nos a lua de olhar aguçado.  Gostava de te beijar as entranhas, de saber do que és feita,  aí dentro, dentro das artérias do coração Gostava de te ouvir cantar quando a luz apaga e ninguém consegue comprovar que também és humana. Era em ti que eu viria a adormecer, a beijar a tua alma. Não podemos ser todos iguais, mas podemos abrir janelas nas paredes, podemos abrir rios nos trilhos das florestas, podemos amar quem nunca foi amado. Vinho tinto, sempre o vinho tinto a lembrar-me  que a volúpia faz parte da vida, como o Porto faz parte da alma. O espirituoso está na capacidade de tirar os pés da terra, sem nunca arrastar os dedos inferiores. O corpo humano foi feito para ficar de pé, com os pés na terra, a empurrar para cima, com os olhos no Todo. Podíamos ter sido
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Não se corre de olhos fechados

Sonho ainda com o que poderíamos vir a ser como se não sentisse a realidade a tocar-me os pés. Alcanço, com as mãos, a nuvem de maior altitude, onde repousas, íntegra, a mirar em redor. Era capaz de fantasiar que também me vês, que me olhas munida de imaginação e saber. Abala-me, porém, a âncora que acorrentei aos calcanhares. Não me deixa voar mais, não me libera da Terra. E sorrio, pois, quando chove, de olhos lamacentos. Nesse estado meio líquido, meio sólido - metade quente - sinto-me inteira com a possibilidade de te beijar. Cresci a correr à chuva e, por isso, a ser castigada. Pudesse eu despir-me de todo o romantismo e dedicar-me a correr. Invejo vê-los possessos de determinação, conhecendo já o caminho, de respiração controlada, a beijar o vento e a suar a dor. Invejo-lhes a disciplinada manutenção dos corpos. Desejo-o para mim, mas eu sou mais cabeça, coração na boca e amor nas mãos que oferecem de olhos fechados. Não se corre de olhos fechados.

Será que precisamos disto?

Foi de mim que levaste essa aura bonita de flora e fauna, da mais interior palermice da alma assim florida de te ver passar e logo viajar no tremor. Querer sentir tudo quanto é doce, repetir a poesia da filosofia d'amor, sem ter certeza se sou já um pouco mais do que um moço. Adormeci sem nunca encontrar resposta. Apostaram ontem e amanhã de manhã; mas hoje ficámos como que estáticas. Se isto que faz suar é um inocente ardor, ficámos pois de pergunta posta. Procurando o primeiro nó da maranha, de café na mão e mentes elásticas: será que precisamos disto? Será mais forte a vontade ou a necessidade? Suspende-me o tempo e surpreende-me! Foi de tanto te adorar.

Corpo controlado, mente descontrolada.

Olhei para ti ao longe, naquele entardecer outonal. Quis beijar-te quando me sorriste de alegria. Engordas-me as pupilas. Enterneces-me, digo. Procuro em mim a resolução para esta dificuldade de expressão como se aquela música portuguesa falasse finalmente para mim. Queria fazer-te ouvi-la. Queria que a conhecesses, que a pudesses entender sem que eu a traduzisse. Queria abraçar-te docemente na embriaguez da atracção, na profundidade dos nossos desejos. E ainda uma incerteza de completude a excitar-nos a paixão. Olhar-te pela manhã leva-me a soltar a imaginação. Consegues ver-me na tua? Mas o teu pescoço... Esse íman que magnetiza a minha mente. Já nem sei acalmar o fluxo dos meus nervos. O sangue circula freneticamente. E mais do que fluído, meu amor, é mesmo sem controlo. Como permaneço eu sob controlo, então? Respeito-te. O respeito e a admiração que te tenho controla-me o descontrolo. Corpo controlado, mente descontrolada. Quem me dera a mim saber-te mais. Resta-me aguardar pel

cigarettes after sex

já não há mais cigarros depois do sexo. Deixei-me do prazer intoxicante de sugar esse veneno adictivo. E ainda assim, ainda não encontrei a vontade maior de me amar a mim mesma. A vida mudou-me. A inocência de querer dar sem nunca receber está em vias de extinção. A mania de pegar nas palavras e armar-me em Cupido foi-se. Acabou-me a bateria do velho teclado sem fios. escrever fica agora para mais tarde.

escrever

lembro-me, com saudade, de quando escrevia a pensar. não sei porque mil caminhos me levei, que me levaram a suspender o amar filosofar ou o tão somente palavrear. manipular as palavras da mesma forma que uma criança se envolve na construção de um castelo de areia. faltaram-me muitos momentos de lucidez, para guardar a inteligência infantil, que é, muitas vezes, simplesmente divertir-se com os elementos. faltaram-me mil corações meus a amarem-me a mim mesma, e a dedicarem-me orgulhos de integridade. Troquei-me nas prioridades. Antes de tudo o resto, desfoquei-me no altruísmo ardente de uma paixão condenada. e depois das chamas, um piano de cordas rebentadas...

Fui Contaminada

esta negritude que me aureia já me cansa, já me oura. como é que vim de tão longe para chegar aqui? que plano misterioso vem de não saber quem, nem quando? queria dar-te uma pista de que ainda senti algo. mas e que fazes tu com isso? mas e que faço eu com isso? tenho vontade de brincar de avestruz. quero talvez até olhar nos olhos da Medusa. e que faz Ela com os meus olhos? o que faço eu com os meus olhos? malditos pontos de interrogação maldita maldade humana. antes fosse o Amor um atributo exclusivamente divino, mas, assim que toca a terra, já está contaminado. quero tanto tudo mais simples, tudo mais puro.
circular esfera no mais infinito plano estático e bidimensional. se te vejo, digo-me a ti. Quero contar-te as minhas lacunas. quero amarrares-me ao tecto e circundar, desenhar a tinta permanente a mais perfeita das mandalas assimétricas. Trouxe-te ao colo como um animal em vias de extinção, consequência da usual crueldade humana. Trago-te ao colo como um pequeno animal recém-nascido de uma viagem astral profundamente enraizada na (des)massa cósmica universal. O meu canto é desafinado e o nosso amor desalinhado. E ficamos assim, de retinas despertas a expectar o progresso do processo. Ficamos assim, de rotinas abertas a soar o acesso ao projecto.